Imprensa e Eclesioclastia ou Sobre o ódio do fraco contra o forte

 

Nem tive tempo de curtir meu blues do post abaixo sossegado e j? me deparei com duas estultices que s? poderiam vir da imprensa eclesioclasta. Eis os t?tulos:

Vergonha de ser cat?lico e Indulg?ncias voltam e c?u fica mais pr?ximo para cat?licos. E se o primeiro ? de um jornaleco, o segundo ? tradu??o de um artigo do New York Times.

Sobre o primeiro, ? uma l?stima como qualquer coisa. N?o ? uma pe?a cr?tica de fato, nem um simples desabafo. ? um amontoado de tolices cujo n?cleo duro ? simplesmente aquele tipo de rancor que s? pode advir da ignor?ncia. O s?bio que assina a coluna pontifica:

Richard Williamson, o bispo, j? havia sido excomungado. O papa Bento 16 revogou a excomunh?o dele. Eu acho engra?ado: como ? que um cara que foi mandado pros quintos dos infernos por um papa que j? morreu e que, em tese, segundo os preceitos nas pr?pria Igreja ? "infal?vel"… de repente pode voltar do limbo falando um monte de bobagens em nome de uma religi?o da qual – at? semana passada – eu fazia parte? Richard Williamson, o bispo, ainda ? arrogante: diz que eventualmente poder? voltar atr?s, mas precisar? de um tempo para refletir e estudar o caso com mais aten??o.

Vamos ser diretos:
a) Williamson n?o ? bispo da Igreja Cat?lica at? que cumpra com as cl?usulas para isso. 
b) O sujeito se diz cat?lico mas diz que excomunh?o ? mandar algu?m para ?os quintos dos infernos?. O que obviamente inviabiliza um entendimento para al?m do n?vel dos s?mios, do levantamento das excomunh?es.
c) Como ?cat?lico? que ?, tamb?m n?o sabe nada sobre infalibilidade papal, como se pode constatar.
d) Afinal, excomunh?o manda para o inferno ou para o limbo?
e) E o mais importante, Williamson faz algo que o sujeito jamais faria, a saber, se prop?e a refletir e estudar com aten??o.

 

? claro que da? s? poderia surgir uma necedade como a que se segue:

O que voc? prefere ver refletido no seu espelho? A carranca de um Ratzinger, a epilepsia dos meganhas neo-pentecostais ou uma Iemanj? linda e sedutora flutuando sobre ?guas resplandecentes?

O que mais falar?

 

Mas penso que o pior ? o segundo

Voc?, que chegou aqui incautamente, acostume-se com essa grande verdade: a imprensa em geral odeia a Igreja porque n?o tem capacidade para entend?-la. ?, tal como dizia Nietzsche, um dos melhores exemplos de revolta do fraco contra o forte.

Sinceramente, n?o tenho mais paci?ncia nem tempo para esmiu?ar todos os erros do artigo (caso algu?m se disponha, mande ver na caixa de coment?rios e, conforme for, eu at? publico como post). Vamos aos t?picos principais:

 

1. Voltam? O clima dado pelo t?tulo do artigo s? refor?a a verdade profunda de que jornalistas n?o conhecem a Igreja. Por acaso as indulg?ncias sa?ram de cena da teologia cat?lica? N?o constaram em algum dos catecismos? N?o vou explicar agora a teologia pr?pria ao sacramento da Penit?ncia. Basta para isso apontar a Constitui??o Apost?lica Indulgentiarum Doctrina, do papa Paulo VI. Nos diz o papa:

N. 1. Indulg?ncia ? a remiss?o, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados j? perdoados quanto ? culpa, que o fiel, devidamente disposto e em certas e determinadas condi??es, alcan?a por meio da Igreja, a qual, como dispensadora da reden??o, distribui e aplica, com autoridade, o tesouro das satisfa??es de Cristo e dos Santos.

N?o ? uma afronta um jornalista est?pido escrever ent?o:

Como a missa em latim e as sextas-feiras sem carne, a indulg?ncia foi uma das tradi??es alijadas das pr?ticas dominantes do catolicismo por efeito do Conc?lio Vaticano 2?, nos anos 60.

Mas eu quase ia me esquecendo? Desde quando jornalistas l?em?

2. C?u mais pr?ximo para os cat?licos? Novamente o tom de estultice impera. Para come?ar, trata-se de uma ironia que afronta. Se voc? n?o percebeu a ironia destilada aqui, volte ao jardim de inf?ncia. Quem escreve uma tolice dessa, al?m de parcamente ir?nico se recusa a compreender de antem?o o que diz a Igreja. Diz  ?para os cat?licos? como quem diz ?para os habitantes do bairro?. Tal frase s? pode radicar, mais uma vez, na ignor?ncia da doutrina.

 

3. ignorancia dos fi?is. A responsabilidade pela falta de preparo dos fi?is ? sempre uma quest?o constante para mim. Ela n?o admite respostas f?ceis como ?os padres n?o ensinam?, j? que o povo ?, em uma palavra, vagabundo. Tamb?m n?o se pode resumir o problema ? in?rcia do povo j? que, em parte, de fato, os padres e agentes de catequese s?o, em geral, ridiculamente preparados. Mas que a ignor?ncia dos fi?is sobre as indulg?ncias n?o pode servir como argumento para nada, isso ? ponto passivo. O conceito de Magist?rio  traz consigo a independ?ncia intelectual: seu dever ? ensinar e sobre ele n?o ingere a qualidade intelectual dos fi?is.

J? disse in?meras vezes por aqui que o problema da Igreja ? a catequese. Ela resolveria tudo: dela sairiam bons pais, boas fam?lias, bons sacerdotes etc. Mas h? tamb?m um sinal gritante da parte da responsabilidade: permane?a 5 minutos numa livraria cat?lica e veja l? o que as pessoas compram. Catecismos e documentos do Magist?rio mofam nas prateleiras ao passo que CDs de padres cantores, santinhos e outros mimos vendem como ?gua no deserto. Fa?a a experi?ncia. Assim fica dif?cil?

 

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6 comentários Imprensa e Eclesioclastia ou Sobre o ódio do fraco contra o forte

  1. Sblargh

    Leio com vergonha o item 3.
    Olha, vou contar a historinha da minha vida.
    Eu comecei a fazer catecismo quando era crian?a, mas n?o aguentei ir at? o fim. Coincidiu de eu fazer catecismo na mesma ?poca em que na escola aprendia sobre inquisi??o na aula de hist?ria e quando perguntei a respeito no catecismo, a senhorinha l? deu a entender que nem sabia sobre o que eu estava falando (e depois ligou pra minha m?e e disse pra ela me pedir pra parar de fazer esse tipo de pergunta por algum motivo, n?o era nada moralista, era mais no sentido de que elas n?o tinham conhecimento sobre hist?ria e tal).
    Isso me incomodou e eu abandonei o catecismo. Ent?o eu nunca fiz primeira comunh?o, hoje eu sou ateu, vou na igreja de vez em quando porque gosto da igreja como institui??o.

    Ent?o tem uma tonelada de coisas sobre a igreja que eu n?o sei, at? quando a gente come?ou aquela discuss?o sobre casamento gay no meu blog, bom, teologicamente eu n?o tenho argumentos porque da teologia eu n?o entendo, eu s? vejo pra onde as coisas v?o culturalmente. Se eu sou um tanto pragmatista (no sentido p?s-moderno, relativista da coisa) em rela??o a ci?ncia e ?tica, ent?o n?o ? de se espantar que eu seja em rela??o a teologia e que eu ache que, assim como ci?ncia e ?tica, se a cultura exigir uma tal coisa, algu?m vai formular uma teoria que d? conta; mas o que me atrai na igreja cat?lica ? justamente que existe uma preocupa??o com a teologia e com a racionalidade; todo o desprezo que por acaso outras igrejas e religi?es tenham com ci?ncia e democracia n?o existe na igreja cat?lica. Obviamente a igreja cat?lica n?o ? a ?nica institui??o religiosa racional e democr?tica do mundo, mas me incomoda quando algu?m decide criticar essa coisa chamada “religi?o” e coloca no meu balaio a igreja cat?lica, as neo-pentecostais e os homens-bomba. O Vaticano, mesmo por ter uma cadeira na ONU, tem um compromisso com a democracia e com o tal “mundo moderno” que muitos pa?ses que tamb?m t?m cadeiras na ONU n?o apresentam.

    Esse lance do Wilkisom foi o primeiro em que algo aconteceu e eu pude observar como a Igreja age como institui??o pol?tica e eu fiquei muito satisfeito. S? faltou a igreja uma equipe de rela??es p?blicas, mas o modo como a igreja procurou em todo o momento, com o maior cuidado, restaurar qualquer dialogo que talvez tenha sido comprometido com a comunidade judaica foi ?timo. A execu??o talvez tenha sido desastrada, mas a igreja, em tempo nenhum, agiu de modo arrogante ou injustificado. S? n?o percebeu quem n?o parou pra ouvir o que o pr?prio Vaticano disse. Lemos not?cias e mais not?cias sobre o Vaticano e em nenhum lugar est? publicada a opini?o oficial do pr?prio Vaticano. ? como acusar o governo brasileiro de fazer qualquer coisa e em nenhum lugar existir uma cita??o de um pol?tico governista tentando se justificar.

    Enfim, eu vou terminar esse coment?rio que j? est? do tamanho de um post. S? queria dizer que assim como eu considero o casamento gay uma inevitabilidade, eu tamb?m considero um enfraquecimento da laicidade do Estado uma inevitabilidade e, obviamente, o Vaticano tem uma palavra muito importante sobre isso. ? basicamente em expectativa desse momento que eu estou procurando me informar sobre como a igreja trabalha porque acho que ela pode ser um contraponto democr?tico a tudo de antidemocr?tico que vai sugir com o fim do Estado laico.

  2. Ricardo Alexandre da Silva

    Gabriel:

    Outro belo post. Cansa muito discutir com os eclesioclastas. Como voc? me disse em um e-mail, trata-se de grupo obstinadamente ignorante. Os argumentos s?o t?o prim?rios, a ignor?ncia sobre quest?es teol?gicas fundamentais ? t?o evidente, que n?o h? possibilidade de di?logo. Tudo o que podemos fazer, dentro de nossos limites, ? corrigi-los.

    J? discuti com o Padre da par?quia que freq?ento sobre a indig?ncia intelectual de muitos fi?is. Para isso n?o h? rem?dio al?m da catequese. Mas ? muito dif?cil ensinar quest?es teol?gicas, mesmo as mais fundamentais, para indiv?duos destitu?dos de quaisquer elementos conceituais. Ainda que se trate de um grande catequista, encontrar? dificuldades enormes para transmitir a doutrina, dado o baix?ssimo n?vel cultural e intelectual dos fi?is.

    Um forte abra?o,

    Ricardo Alexandre da Silva

  3. italo

    mais uma da grande impressa, olha s? como o UOL apresenta o prelado:

    “Bispo Richard Williamson, cat?lico apost?lico romano ortodoxo, despertou cr?ticas do Vaticano e de l?deres judaicos por seus questionamentos sobre a exist?ncia do holocausto”

    realmente para mim ? uma surpresa algu?m ser cat?lico romano e ortodoxo ao mesmo tempo, ser? que o referido bispo ? biritualista ? ou ser? que no entendimento do ac?falo jornalista ortodoxo ? sin?nimo de radical ou fan?tico ? putz ent?o eu n?o sou ortodoxo, que fa?o agora ?

  4. Gabriel Ferreira


    Sblargh: A sua hist?ria ? a de muitos de n?s, acredite. Infelizmente, m?s catequeses s?o mais perniciosas do que nenhuma catequese. Quem sabe agora, n?o? Voltaremos ? quest?o do vi?s pol?tico outra hora. Obrigado pela visita e pelo coment?rio.

    Ricardo: De fato, o quadro geral ? uma l?stima. J? estou achando que empregar bons cat?licos pra dar catequese deveria ser um mandamento da Igreja. Comente sempre.

    ?talo: Car?ssimo irm?o, exigir uso correto de nomenclaturas ent?o ? esperar por um milagre. H? alguns dias vi uma tradu??o de um artigo estrangeiro em que o tradutor traduziu “Council Vatican II” por “Conselho Vaticano II”!!! Lastim?vel.

    Abra?os a todos.

  5. francisco razzo

    Queridos… Confesso, j? fui um desses e voc?s (?talo e gabriel – que conviveram comigo) o sabem… i.?. um tapado de gabaritado que acreditava que o homem veio da ameba e tudo se reduz ? mat?ria. O problema ? que os jornalista sempre foram pra mim prova concreta e evidentemente indiscut?vel de que o homem veio da ameba! Ou esse tipo de tradu??o, por ex, “Conselho Vaticano II” (hahaha) n?o deixa voc? com a pulga atr?s na orelha, n?o abala sua f?, de que o homem ? Imago Dei??? hahah… Mas nem a Queda pode explicar isso… Eu sempre avisei voc?s quanto aos jornalistas e voc?s sempre me avisaram quanto aos psic?logos… o estado de estupidez e decad?ncia moral e espiritual que estamos vivendo s? me faz concluir que os Iluministas n?o eram fil?sofos, mas verdadeiros profetas, a Idade das Trevas foi um insight do projeto futuro do homem em rela??o ? Deus e n?o o contr?rio (foi apenas um erro cronol?gico). ahahah
    Forte Abra?o Gabriel, o site est? ?timo!

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