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A política como ciência primeira – II

 

O texto abaixo começou como uma resposta ao comentário do meu amigo Carlo sobre o post anterior (leia na caixa de comentários correspondente), mas tomou proporções maiores. Enfim, está aí para que continuemos a conversa:

* * *

De fato, suas considerações são importantes e mesmo sua dúvida ao final realmente eleva a discussão a um nível superior – que diga-se de passagem, já está acima daqueles que tem na política a causa primeira do real.

Visto a partir do ponto de vista do duplo plano de ação no qual o Papa e a Igreja se inserem, realmente não há nenhum problema em se predicar "política" de "Igreja". Mas o perigoso é quando "Política" faz o papel de primeiro motor ou explicação última das ações da Igreja. Ora, ela se define justamente por ter sua preocupação última para além da esfera das ações humanas. É "para fazer Ó Deus, a tua vontade" (Hb. 10,9) que ela existe.

Assim, repito: dizer que as ações do papa e da Igreja têm sua dimensão política é, sobretudo na acepção grega e mais forte dessa palavra, óbvio. O problema surge quando se propõe que toda a explicação para suas ações estão submissas à dimensão política, o que é, também obviamente, falso. É esse o sentido do título do post: para Aristóteles a “filosofia ou sabedoria primeira” é a metafísica; dito de outro modo, o conhecimento das causas primeiras. Substituir a causa primeira da Igreja por uma de viés essencialmente político: é aí que começa o problema.

Tal afirmação não condiz nem com os fatos recentes: a tão aclamada impopularidade de Bento XVI (sobretudo em vista da comparação sempre infeliz com João Paulo II). Se os objetivos últimos fossem políticos no sentido que você mesmo aponta de "Habilidade no agir e no tratar, tendo em vista a obtenção de algo; Diplomacia”, o Papa e a Igreja estaria falhando catastroficamente. Mas como o papa se vê na função de um mensageiro cuja excelência no serviço é entregar a intacta a mensagem de quem o enviou, não pode se render ao sentido comum de simples "diplomacia". A Igreja desagrada na medida mesma em que não se rende a fazer, essencialmente, política.

Novamente, colocar em relevo a dimensão política de sua prática como paradigma último de ação, como em geral fizeram alguns blogueiros por esses dias é, no mínimo, desconhecer a Igreja e, inclusive, estar fora do universo das últimas notícias. Apenas como mote para outras conversas, tal erro pode ser encontrado também no seio da Teologia da Libertação, fonte de erro crasso.

 

Abraços.

G. Ferreira

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G. Ferreira

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