Sobre a Cognoscibilidade natural de Deus

Prezados.

Pretendo fazer uma pequena série de posts sobre as relações entre Fé e Razão. Como Deus e sua existência são os primeiros objetos aos quais a teologia deve se voltar, começo por postar uma síntese dogmática católica sobre a possibilidade de se conhecer a existência de Deus.

A síntese abaixo, traduzida por mim a partir da edição americana da famosa obra de Ludwig Ott, Grundriss der katholtschen Dogmatik (que pode ser encontrada na Amazon.com pelo banner ao lado) tem como objetivo afirmar as verdades básicas enunciadas pela Igreja acerca do tema. Como uma síntese que é, não pretende senão apresentar as teses e os argumentos e provas existentes tais como a Igreja professa, sem a pretensão de desenvolvê-los tampouco esgotá-los.

Contudo, creio ser fundamental, como pedra angular da posição afirmativa da cognoscibilidade de Deus para a razão natural, explicitá-la com a maior clareza possível a fim de dirimir possíveis erros e rebater possíveis falsas acusações quanto às posições adotadas.

Devo notar também que, a partir da enunciação dos pontos abaixo, voltaremos a alguns destes pontos a fim de tentar explicitá-los ainda mais.

 

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A EXISTÊNCIA DE DEUS

A Cognoscibilidade natural de Deus

 

§ I. Possibilidade de conhecer a Deus apenas com a luz da razão natural.

1. Dogma: Deus, nosso Criador e Senhor pode ser conhecido com certeza à luz da razão natural através das coisas criadas (de fé).

O Concílio Vaticano definiu: "Si quis Dixerit, Deum unum et al creatorem verum Dominum nostrum, per ea quae facta sunt Naturali rationis humanae lumine certo cognosci non posse ", a. s.; Dz 1806, cf. 1391, 1785.

A definição do Concílio Vaticano tem os seguintes elementos:

a) o objeto de nosso conhecimento é um, verdadeiro Deus, Criador Nosso Senhor e é, portanto, um Deus diferente do mundo e pessoal;

b) o princípio subjetivo do conhecimento está em um estado natural da razão coisas da natureza decaída;

c) os meios de conhecimento são as coisas criadas;

d) este conhecimento é, por si, um conhecimento certo;

e) é possível, embora não seja a única maneira de conhecer a Deus.

2. Provas pela Escritura

Segundo o testemunho da Escritura é possível saber a existência de Deus:

a) através da natureza. Sb 13, 1-9; ver. 15 diz: “Pela grandeza e beleza das coisas criadas, pelo raciocínio (analogós) se chega a conhecer o Criador destas”. Romanos 1, 20: "Pois desde a criação do mundo, o Deus invisível, seu eterno poder e divindade são conhecidas pelas criaturas, assim que são indesculpáveis. O conhecimento de Deus, testemunhado em ambos os lugares, é um conhecimento natural, verdadeiro, mediato e facilmente apreensível.

b) através da consciência. Rm 2, 14s: "Quando os gentios, guiados pela razão natural cumprem os preceitos da lei, eles mesmos, ser ter a lei [mosaica], são para si mesmos a lei. E com isso mostram que os preceitos da lei estão escritos em seus corações. " Os gentios conhecem naturalmente e, portanto, sem revelação sobrenatural, o essencial da lei do Antigo Testamento. Em seu coração há gravada uma lei cuja força obrigatória os faz conhecer o Supremo Legislador.

c) por meio da história. At 14, 14-16, 17, 26-29. São Paulo nos seus discursos de Listra e no Areópago de Atenas, declara que o próprio Deus havia dado testemunho de si aos povos gentios com incessantes benefícios e que é fácil encontrá-Lo, pois está muito perto de cada um de nós "porque nele vivemos movemos e existimos "(17, 28).

3. Prova pela Tradição

Os Santos Padres, de acordo com os ensinamentos da Sagrada Escritura, sempre insistiram que era possível e fácil de adquirir um conhecimento natural de Deus. Cf. Tertuliano, Apol. 17: "Oh testemunho da alma, que é naturalmente cristã ". Os padres gregos preferiram os argumentos da existência de Deus chamados cosmológicos, que partem da experiência externa; os padres latinos preferiram argumentos psicológicos, que partem da experiência interior. Cf. Teófilo de Antioquia, Ad Autolycum 1 4-5: "Deus fez todas as coisas do nada, dando-lhes a existência, de modo que através de suas obras conheceríamos e entenderíamos sua grandeza. Pois assim como na alma do homem não se vê a alma, porque é invisível aos olhos humanos, mas através dos movimentos corporais temos conhecimento da mesma, de forma semelhante Deus é também invisível para os olhos do homem, mas chegamos a vê-Lo e conhecê-Lo graças a sua providência e suas obras. Pois assim como a visão de um barco que desliza habilmente sobre as ondas dirigindo-se ao porto inferimos com toda evidência que haja em seu interior um piloto que o governa, da mesma maneira temos que pensar que Deus é o diretor do universo inteiro, ainda que não O vejamos com os olhos corporais, porque é invisível para eles.”Veja também Santo Irineu, Adv.. Haer. n 9, 1; São João Crisóstomo, In ep. ad Rom., hom. 3, 2 (mais de 1, 19).

4. A idéia “inata” de Deus?

Invocando a autoridade dos Santos Padres, muitos teólogos católicos, como Ludovico Thomassin, H. Klee, A. Staudenmaier, J. von Kuhn, ensinaram que a idéia de Deus não é adquirida raciocinando sobre o mundo da experiência, mas que é inata ao homem. É verdade que muitos pais da Igreja, como São Justino (Apol. 11 6) e Clemente de Alexandria (Strom. V 14, 133, 7), designaram a idéia de Deus como "conatural" (emfytos), “não aprendida" (adídakhtos), “aprendida por si mesma” (autodídakhtos, automathés) ou "dom da alma” (animae dos, Tertuliano, Adv. Marc. I 10). São João Damasceno diz, "O conhecimento da existência de Deus foi plantada por ele mesmo na natureza de todos” (De fide orth. I, 1). No entanto, esses mesmos pais ensinam que adquirimos o conhecimento de Deus através da contemplação da natureza, e, portanto, não significa que é inata em nós a idéia de Deus como tal, mas a capacidade de conhecê-Lo com facilidade e, de certo modo, espontaneamente, através de suas obras. Cf. S. Tomás, In Boethium De Trinitate, q. 1, a. 3 “eius cognitio nobis innata dicitur esse, in quantum per principia nobis innata de facili pericpere possumus Deus esse".

§ 2. Possibilidade de demonstrar a existência de Deus

Pode-se demonstrar a existência de Deus através do princípio do nexo de causalidade (sentença próxima à fé).

Os tradicionalistas L. E. Bautain (+1867) e A. Bonnetty (+1879), por requerimento eclesiástico, tiveram de concordar com a seguinte proposição: “A razão humana pode provar com certeza a existência de Deus” ( ‘ratiocinatio potest cum prova certitudine existentiam Dei "), DZ 1622, 1650. Sua Santidade o papa Pio X, no juramento prescrito (1910) contra os erros do modernismo, completou a definição que o Concílio Vaticano, havia dado sobre a possibilidade natural de conhecer a Deus, e precisa que a razão humana pode provar formalmente a existência de Deus através do princípio da causalidade: "Deum, rerum omnium principium et finem, naturali lumine rationis per ea quae facta sunt, hoc est per visibilia creationis opera, tanquam causam per effectus certo cognosci, adeoque demonstrari etiam posse” Dz. 2145.

 

A possibilidade de provar a existência de Deus se deduz:

a) Do dogma da cognoscibilidade natural de Deus; pois a prova da existência de Deus se distingue do conhecimento elementar que temos de Deus em que a base epistemológica daquele se apresenta de forma científica.

b) Do fato de que os teólogos, desde a época patrística, apresentaram argumentos para demonstrar a existência de Deus, cf. Aristides, Apol. 1, 1-3; Teófilo de Antioquia, Ad Autolycum 1 5; Minucio Félix, Octavius 17, 4 ss, 18, 4, Santo Agostinho, De vera religione 30-32; Conf X 6, XI, 4; São João Damasceno, De fide orth. 1 3.

A Escolástica foi capaz de mostrar em seus representantes mais notórios uma adesão fiel a esta verdade da demonstrabilidade da existência de Deus. S. Tomás de Aquino deu a forma clássica à argumentação escolástica para esta tese (S. Th 1 2, 3; SCG 1 13). Somente na escolástica tardia, alguns representantes influentes do nominalismo (Guilherme de Ockham, Nicolas de Autrecourt, Pierre d’Ailly), movido por seu ceticismo, começaram a por em dúvida a segurança desses argumentos.

Os argumentos para a existência de Deus se apóiam na validez absoluta do princípio de causalidade, formulado assim por S. Tomás: "Omne quod movetur, ab alio movetur” (moveri = mover-se = passar da potência ao ato). Enquanto Kant, influenciado por David Hume, restringe a validade deste princípio ao mundo da experiência, S. Tomás funda sua validade para o que está além do mundo da experiência,para o transcendente, na redução ao princípio da contradição, evidente por si mesmo; S.Th. 1 2, 3.

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