Luis Felipe Pondé – Não


Será o colunista de direita ou de esquerda? Cansativa essa ladainha, não? Seria ele legal?


COMO É difícil a vida de um herege. Caminhar entre as chamas ardentes do desejo (ideológico) travestido de posturas "científicas" é uma tarefa infernal. O mais fácil é falar o que todo mundo acha "legal". Mas eu, como homem de fé (mas não seria eu um pessimista que não acredita num "mundo melhor"?!) continuo a crer que as pessoas pensam no que leem, sem necessariamente concordarem comigo. Continuamos a apreciar que ardam no fogo aqueles que falam o que não gostamos, ainda que este desejo hoje passe por repúdio justificado.

Falava eu, na coluna de 2 de março, do relativismo cultural, e de sua ética festiva. Afirmações de que sou "contra" os índios foram muitas, apesar de eu dizer explicitamente que não sou contra os índios e reconhecer os absurdos de quem os julgou seres inferiores. Será o colunista de "direita" ou de "esquerda"? Cansativa essa ladainha, não? Seria ele uma pessoa legal? Teria esperanças?

Respondo a última pergunta com a frase de um amigo: "Eu tenho filhos (logo, fiz da minha esperança choro, carne, fezes e sangue)". Com isso não quero dizer que não ter filhos signifique que você não tenha esperanças, quero dizer apenas que ao tê-los, os riscos aumentam muito se você não tiver esperanças.

Combato o "mal do século" acordando cedo todo dia e falando com dezenas de pessoas de 20 a 60 anos, enfrentando os impasses da formação de seres humanos sem abraçar teorias falsas sobre "um mundo melhor é possível". Já disse antes e vou repetir: o homem faz o que pode diante da opacidade do mundo. Isso não é defender a imutabilidade das coisas (só uma alma superficial pensaria isso), é apenas assumir um lugar na história do mundo: a tragédia.

A identificação entre "otimismo" e comprometimento com a vida é coisa do marketing.

Volto hoje ao relativismo (sou um obsessivo, já perceberam?), apontando outro impasse. Há alguns dias, na Escandinávia (aquele lugar onde a humanidade deu certo porque as pessoas têm os afetos corretos, as opiniões corretas, os sexos corretos e os lixos corretos), especialistas se reuniram para debater os direitos humanos. De repente, uma ansiedade toma conta da plateia: não seriam os direitos humanos uma invenção eurocêntrica? Oh! E aí? É justo aplicá-la a todos? O problema surge quando se pergunta: e se alguma "cultura" se sentir ofendida com tais "direitos"? Uma solução seria dar às "culturas" a chance de dizer "não" ao que as agredir na sua integridade. Típica solução da ética festiva do relativismo de salão. Mas como aplicá-la? Como evitar que a ideia de direitos humanos invada a praia dos "outros"?

Vejamos. Onde acaba uma "cultura" e começa outra? Portanto, "quem" teria o direito de dizer "não"? "Quem" ou "o que" seria "uma cultura"? Quem falaria pelas "culturas"? Quem diria "não"? O presidente do país? Delegados da ONU? Xamãs? Alguma ONG?
Fundamentalistas? O "povo"?

Aquele mesmo que normalmente passa por cima de todo mundo, movido seja lá pelo que for?
E mais, que tal pensarmos em alguns "nãos"?

Não à democracia. Não à emancipação feminina, nada de mulheres estudando coisas que complicam o dia-a-dia do patriarcalismo. Não ao aborto. Não à pesquisa com células-tronco. Não à universidade laica. Não à condenação da "circuncisão feminina". Não à condenação de massacres intertribais na África (afinal, é da cultura deles se matarem, há milênios). Não à transfusão de sangue. Não à proibição de matar bebês com más formações. Não à tolerância religiosa. Não à imprensa livre (aqui talebans de todos os tipos poderiam repudiar tudo de que não gostam). Não ao homossexualismo. Não às vacinas (isso seria mais típico de quem abraça árvores). Não ao casamento interracial. Não à internet (grande risco de promiscuidade cultural). Não ao sexo fora do casamento. Não aos imigrantes estrangeiros. Não à proibição do aprisionamento de mulheres em casa. Não ao uso de camisinha. Não ao Estado laico. Não ao transplante de órgãos. Não à proibição do infanticídio praticado por alguns índios. Imagine, caro leitor, se em cem anos o Iraque tiver universidades cheias de mulheres de saia curta e sem homens mandando nelas, cafés cheios de artistas e intelectuais, aborto legal, gays fazendo filmes sobre seus heróis, democracia atuante, tribunais transparentes.

Haverá uma releitura da guerra do Iraque em alguma conferencia sobre direitos humanos?

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