Algumas considerações sobre as perspectivas atuais da Teologia e da Filosofia da Religião

 

É sabido que sempre corremos o risco de nos identificarmos às posições que frequentemente criticamos. As visitações frequentes ao que podemos chamar de terreno inimigo podem fazer com que passemos mais tempo do lado de lá do que em nossa própria casa. De certo modo, é essa a atmosfera na qual escrevo algumas poucas considerações sobre que o estou denominando perspectivas da teologia e da filosofia da religião atuais.

De início, devo dizer que parto de uma decisão certamente arbitrária: estou considerando Teologia e Filosofia da Religião aquela teologia e aquela filosofia da religião que julgo minimamente séria. Estou pondo de lado Teologias da Libertação, Feministas e Regionalistas, bem como Sociologias ou Antropologias meramente descritivas da Religião ou do “fenômeno” religioso. Também coloco de lado as teologias e filosofias da religião não-cristãs. É importante notar que as minhas justificativas possíveis para a adoção de tais critérios na separação do que julgo ou não sério, são exatamente os problemas que aponto a seguir.

Quero, antes, dizer que o que afirmo aqui são idéias em curso e devem ser debatidas. Afirmo também que cada um dos pontos abaixo pode e deverá ser ampliado a fim de dar conta de toda a complexidade dos problemas colocados. Dito isso:

 

1. O debate religioso é quase que exclusivamente negativo e elaborado a partir de pautas colocadas pela crítica à religião (fé X razão, refutação de argumentos científicos ou crítica dos pressupostos epistemológicos científicos etc.). Nos termos que S. Pio X já apontava na magnífica Pascendi Dominici Gregis, a teologia se faz hoje quase como se “o fim a alcançar é a conciliação da fé com a ciência, ficando porém sempre incólume a primazia da ciência sobre a fé”. Há também uma quase ausência de colocações positivas acerca da ética, epistemologia ou metafísica cristãs. Podemos dizer que abateu-se sobre o lado religioso do debate, uma certa timidez cognitiva que raramente ousa propor a colocação efetiva de posições cristãs no lugar dos princípios adversários. Na prática, pouco nos movemos fora do domínio que queremos dissolver. O debate sério atual é estritamente apologético e pouco ou nada catequético. Por catequese entendo a apresentação e o ensino sistemático das verdades de fé. Isso traz um consequente abandono do que podemos chamar de dimensão evangelizadora sob o nome de proselitismo (novamente, definição a partir do léxico que queremos combater). Se a Igreja nasce, como dito na Dominus Iesus, do mandado de Cristo de avançar e anunciar o Evangelho a toda criatura, de acordo com as perspectivas que se apresentam, ela está fadada a minguar até a morte, caso isso fosse possível (mesmo esta tese que acabo de enunciar, a da impossibilidade de que a Igreja venha a acabar, parece atualmente sem valor cognitivo nenhum para a maioria dos teólogos), Atualmente assumimos o discurso de que devemos nos abster de toda tentativa de conversão já que a “escolha” religiosa se passa no domínio do sujeito emotivista. Por emotivismo entendo a corrente que pretende reduzir todo o âmbito da ação e da escolha humana a pontos de vista sobre os quais se assente ou não, acarretando o consequente banimento da autoridade da razão e da argumentação racional em tais assuntos. O que nos leva ao próximo ponto.

2. Outra das características nefastas, derivada da concepção de religião como habitando no domínio da escolha a partir da vontade, mas que também alimenta o ponto anterior naquilo que chamo de timidez cognitiva é a abstenção de um dos princípios mais fundamentais de todo e qualquer discurso religioso, sobretudo do cristão, que é a pretensão de Verdade em sentido lato. Com Verdade em seu sentido mais amplo, quero significar uma verdade objetiva, em toda sua extensão de explicação sobre o real e independente do sujeito que a enuncia bem como de seu assentimento. Os pensadores e polemistas cristãos parecem empregar seus esforços – sem dúvida alguma, valiosíssimos – em simplesmente preservar ou abrigar as teses religiosas das investidas de seus críticos. Podemos ilustrar o que apontamos com um tipo de debate bastante em voga, a saber, entre a visão cristã de mundo e aquela do darwinismo. Pululam ensaios que demolem fisiológica e arqueologicamente a posição dos evolucionistas, mas pouco se vê uma explicação positiva e convincente da posição cristã sobre o Gênesis (isto é, sobre o registro das origens) ou ainda de como as Escrituras são, ainda para nós homens do século XXI, uma reserva semântica preciosa mesmo no que diz respeito ao que hoje fica absolutamente restrito às ciências naturais; que se note bem, não no sentido de rivalizar com a metodologia científica mas apontando, por exemplo, dimensões que aquela metodologia não consegue alcançar. Devemos notar que, mesmo o fato de o discurso sobre a estrutura do real ser hoje devido apenas às ciências é, em parte, culpa e responsabilidade do pavor e da ignorância cognitiva dos teólogos e dos filósofos da religião que, desde a crítica iluminista, só se defendem (lembre-se de Schleiermacher que afirma que a religião não deve pretender rivalizar com a ciência ou com a metafísica na interpretação do mundo). Desse modo, é visível que a questão da Verdade foi apartada do seu peso existencial e das possíveis consequências para um ser humano existente que deveria se relacionar com ela (e aí sim deveria aderir à Verdade também por sua vontade, mas nunca ao largo dela) e passou a habitar apenas no terreno da atividade judicativa sobre questões factuais (se é “verdadeiro” ou “falso” que o homem evoluiu de outras espécies, por exemplo) e não mais sobre princípios e causas. Se “todo aquele que é da Verdade escuta a minha voz”, como diz o Cristo (cf. Jo 18,37), Ele talvez hoje não seja mais ouvido porque a Verdade não parece ter mais nada a ver com o Senhor..

3. Por fim, isto se manifesta também no terreno das Ciências da Religião. Qualquer tentativa de entrar no debate com tal pretensão (de Verdade) é, a priori, fadada ao fracasso. Alguém que pretendesse empreender um estudo sobre a plausibilidade bíblica da primazia petrina, por exemplo, contra a crítica luterana, seria condenado, dentro da Filosofia da Religião, ao âmbito da Teologia (como se isso fosse um rebaixamento). Já na Teologia, ouviria-se que tal questão é irrelevante para uma teologia contemporânea em suas vertentes mais vanguardistas e seria banido do debate como um radical ou reacionário (como se fosse mais um degrau de rebaixamento). Houve então um recrudescimento tanto quantitativo quanto qualitativo nas questões e nos problemas da reflexão religiosa. Elas diminuíram em número, já que algumas foram excluídas e tornaram-se diluídas em seu caráter mais essencial. Isto não é difícil de notar a partir do fato de que as questões e problemas da Teologia e da Filosofia da Religião, tal como estas disciplinas têm se dado atualmente, podem quase serem reduzidas às questões da Sociologia, Filosofia da Ciência ou Antropologia. Com isso quero apontar que também entre aqueles que deveriam buscar a Verdade pelo estudo e pesquisa séria também têm os ouvidos tapados à voz do Cristo. Onde ele será ouvido então?

 

*  *  *

 

ATUALIZAÇÃO: Segue abaixo meus comentários aos valiosos comentários do Marcelo Viana, que podem ser vistos na caixa de comentários deste mesmo post.

Caro Marcelo.

Quero começar agradecendo firmemente seu comentário. Ele não só traz boas contribuições, mas serve de ocasião para continuar a reflexão.

Você inicia seu comentário dizendo da dificuldade de interpretar para além dos domínios da cosmovisão modernista. De fato, para isso, há justamente a necessidade de romper com o acordo irrestrito e inconsciente com o domínio cognitivo e semântico da modernidade, como já previra São Pio X (por favor, passe a Pascendi Dominici Gregis na frente em sua fila de leituras).

Creio que você acerta em dizer que grande parte da dificuldade se dá por nossa própria culpa. Entretanto, penso que erra ao tomar como modelo próximo o padre da paróquia mais próxima e seu ideário. Os modelos próximos são justamente as grandes matrizes do nosso pensamento que mantêm sua proximidade justamente por sua urgência atual: a filosofia séria, a teologia séria e o Magistério da Igreja.

Penso que o ponto fundamental no qual que você se afasta do que estou dizendo é no que vem a seguir. Julgo ser possível sintetizar aquilo que você diz em uma de suas sentenças:

Quanto à Verdade de Cristo, uma vez tirada a venda, não é difícil de enxergá-la. A Teologia se desenvolveria muito fácil e naturalmente num mundo que estivesse disposto, pelo menos, a ver a religião como um fundamento da própria existência.

Os dois aspectos estão aí expressos: “tirar a venda” e a quase “naturalidade da veracidade existencial do Cristo. De início, você mesmo expressa a complexa tensão entre a necessidade de uma ação positiva e uma quase “auto-evidência” da Verdade, o que dificulta que as coisas sejam assim como você diz.

Por “tirar a venda” você entende a desconstrução e a propaganda ativa de tal desconstrução, inclusive nas escolas etc. Aqui deveríamos apelar para os modelos corretos, como você bem lembrou. São Paulo, Santo Agostinho, São Justino e outros, jamais julgaram que seu afazer se limitava a desconstruir a tese adversária e que, depois, naturalmente viria à tona a Verdade evidente de Cristo. Primeiro porque desconstruir é, ainda, manter-se no domínio adversário: da desconstrução só salta à vista a fragilidade do objeto e, logicamente, jamais o valor de verdade de outra tese (que não a da possibilidade de desconstrução daquele objeto, sob pena de ofensa ao princípio do terceiro excluído). Deve haver, então, necessariamente, a colocação efetiva da tese que se quer afirmar. Quero amparar o que digo com dois pontos, um filosófico e um exemplo tirado de um dos modelos realmente exemplares:

a. As considerações sobre o conceito de evidência de São Tomás (ST, I, q.2, art. 1) podem nos auxiliar. Uma coisa pode ser dita evidente de duas maneiras: evidente em si, mas não para nós, e evidente em si e para nós. Evidente em si, é a proposição cujo predicado está contido essencialmente no sujeito (por exemplo, ”O homem é animal”, pois “animal” está contido essencialmente em “homem”). Entretanto, se alguém desconhece que se dê tal relação entre o predicado e o sujeito, a proposição pode ser evidente em si mesma e não para nós. É de suma importância para o que estou querendo dizer, o contexto em que ocorrem tais considerações de S. Tomás. É no domínio da prova da existência de Deus que o Aquinate fala de evidência. A proposição “Deus existe” é evidente em si, mas não para nós, por isso é necessária demonstração e ensino. A proposição “O cristianismo é verdadeiro” até pode ser considerada evidente em si, mas certamente não o é para nós. O maior sinal disso é justamente a existência do debate. E também não se pode dizer que ela se torna praticamente evidente pela desconstrução do projeto moderno, bem como da propaganda de tal destruição.

b. São Paulo em Atenas (At. 17, 15-34) é talvez o modelo exato para nosso problema. São Paulo irrita-se e angustia-se pelos erros dos atenienses. Seus debatedores julgavam estranhas suas teses (v. 20). O Apóstolo então começa pregando a partir do registro e do ambiente semântico de seus adversários, fazendo mesmo um elogio à religiosidade ateniense, muito embora a reconhecesse como idolatria: introduz a tese de que o Deus que prega é o que cria tudo o que existe, que não é feito por mãos humanas e, inclusive, usa o léxico da filosofia grega (ser, movimento) e faz referência à sua cultura (“Porque é nele que temos a vida, o movimento e o ser, como até alguns dos vossos poetas disseram: Nós somos também de sua raça… “, v. 28).

É fundamental notar que, até aqui, embora seus ouvintes já soubessem que ele anuncia algo novo e diferente (v. 18), seguem-no em sua exposição e não há contenda. Embora haja uma discordância, ela está implícita e não causa maiores estragos. Mas perceba o que acontece quando, efetivamente, São Paulo enuncia sua tese fundamental:

Quando o ouviram falar de ressurreição dos mortos, uns zombavam e outros diziam: A respeito disso te ouviremos outra vez. (v. 32)

O que quero dizer, usando o exemplo de São Paulo, é que, embora seja necessário partir do registro da modernidade, no qual nós também nos movemos, não basta simplesmente que o desconstruamos e o destruamos, já que nosso objetivo não pode ser a mera aniquilação do projeto modernista. Como São Paulo, deve-se enunciar de maneira efetiva a tese que se julga verdadeira, com seus argumentos e reflexões, enfrentando inclusive a zombaria e o descrédito com a firmeza na fé e na razão. Creio ser aí o ponto fundamental da relação entre “fides et ratio”.

Por fim, o que você diz é um tanto complicado pois parece achar justo e correto um movimento ativo tendo em vista desconstruir e fazer propaganda da falsidade do projeto moderno, mas acha no mínimo estranho uma atitude semelhante na tarefa de positivamente afirmar como Verdade (ou “fazer propaganda”) o projeto cristão; “isso é algo que cabe a Deus controlar”. Abstem-se inclusive da pretensão de “imposição” de tal projeto às pessoas, ao mesmo tempo em que pensa ser estritamente necessária a “imposição” da crítica e da desconstrução através de uma propaganda sistemática, até no conteúdo programático das escolas. Por que esta diferença? Não estaria aí a manutenção da tese emotivista – claramente modernista – da escolha pessoal sobre a qual não pode ingerir o discurso racional? Ao assumirmos isto não estaríamos permanecendo no terreno adversário sem nos movermos um só centímetro para além dele? Não se está assumindo que isso é “proselitismo” e seu decorrente tom pejorativo?

Em uma palavra, sua resposta exibe um tanto daquela esquizofrenia que acomete a todos nós, inclusive eu. Entendemos o problema, percebemos uma ou duas atitudes coerentes, mas duvidamos um tanto da validade epistemológica e, porque não dizer, metafísica, da outra alternativa. É a isso que chamei de “pavor cognitivo”.

É razoável pensar que talvez encontrássemos hoje, com mais facilidade, mártires pela falsidade da tese moderna do que mártires pela veracidade do Cristianismo.

7 comentários Algumas considerações sobre as perspectivas atuais da Teologia e da Filosofia da Religião

  1. eduardo teixeira

    As considerações do artigo me remetem a uma certa flacidez da atitude cristã pensante acerca da validade da fé no campo intelectual e, ainda mais importante, numa dimensão mais englobante da inserção da fé num mundo des-teizado, se é que posso assumir esse neologismo.
    Assim, de fato, a tímida e anti-evangelizadora atitude de um Cristianismo avesso e envergonhado do debate atual a respeito de sua relevância para um mundo secularizado e desidratado de Deus, reflete a perda do sentido da religião cristã que não se pretende meramente apologética, mas como a indispensável abordagem à Vida, um sine qua non para que o humano se estabeleça mais humano, ou seja, fraterno, carregado de sentido e capaz de Deus que o dignifique e não permita a teratogenia do ser.
    Excluir-se a Verdade equivale ao assassínio do ser em que pese o problema de se erigir uma verdade como ídolo justificante para atrocidades que todos conhecemos em nome de uma “verdade”. Contudo, o que tanto se critica no discurso da religião em termos de sua defesa da verdade que engendrou crimes ao longo da história, não parece ser a mesma crítica dirigida aos aiatolás da ciência despidos de ética e sem qualquer referencial religioso mas que produziu lá suas atrocidades. Não foi, por exemplo, a Igreja quem inventou e detonou as armas nucleares no deserto mexicano para a desgraça dos japoneses…

  2. Marcelo Viana

    Caro Gabriel,

    excelente texto!! Vou tentar comentar algo antes do café. É mais como exercício para mim mesmo do que como tentativa de acrescentar algo.

    Acredito que o primeiro problema que você aponta, segundo o qual o debate religioso não sabe falar por meios próprios, querendo lutar no campo e com as armas do inimigo, essa tendência se deve ao próprio tipo de discurso que nossa época adota. Coincidentemente, li, antes de ontem, uma tradução de um texto muito bom de Xavier Zubiri, em que ele aponta algumas das características do pensamento atual, quais sejam o positivismo, o pragmatismo e o historicismo. – http://traducoesgratuitas.blogspot.com/2009/12/xavier-zubiri-nossa-situacao.html

    Ora, mesmo os homens que procuram descobrir a verdade através de sua fé têm dificuldades de interpretar o mundo em que estão inseridos de forma diferente do esquema moderno. Acho que boa parte dessa deficiência se deve à falta um modelo próximo, o que mostra o quão grave é a falência de boa parte dos homens de nossa Igreja. É muito complicado para um indivíduo comum acreditar que a vida espiritual é algo real, quando grande parte dos sacerdotes, que deveriam cuidar do espírito, dão mostras de um materialismo que faria enrubescer o Tio Patinhas. Mas não quero falar mal desses caras aqui porque já tratamos disso em outras ocasiões.

    Acredito que, para apresentar a religião novamente como um caminho válido para a Verdade, seja preciso uma certa libertação do discurso moderno, que tenta embrulhar todos os aspectos da vida em seu domínio. E isso, infelizmente, passa por desconstruir o que há de falso no alcance do cientificismo e do subjetivismo. Mais que desconstruir, é preciso mostrar essa desconstrução, fazer propaganda disso, por exemplo, enfatizando nas escolas as consequências reais dos falsos milagres prometidos por cientistas, relativistas e materialistas: a redução da experiência de vida do ser humano pleno, a alienação da realidade da realidade, o ensimesmamento do pensamento, a solidão coletiva dissolvida nas relações artificiais e descompromissadas entre as pessoas, a banalização e a falta de gosto pela vida excelente, e, claro, a enorme quantidade de homicídios.

    Quanto à Verdade de Cristo, uma vez tirada a venda, não é difícil de enxergá-la. A Teologia se desenvolveria muito fácil e naturalmente num mundo que estivesse disposto, pelo menos, a ver a religião como um fundamento da própria existência.

    Mas acho que se trata de um processo longo, porque pressupõe uma mudança cultural. E, como não sou um revolucionário gramsciano (mentira, claro; ainda quero formar minha célula comuna), não pretendo que se deva impor essa mudança às pessoas. Isso é coisa para Deus controlar. Acho, sim, que aqueles que desejam contribuir de alguma forma com a disseminação da Filosofia e da Teologia cristãs devem tentar, antes de tudo, transformar suas vidas no principal meio de convencimento que possuem, o que já me parece bastante difícil. O lixo moderno já fez muito mal com essas estórias de separar a vida prática do pensamento teórico e de descartar a busca pelo transcendente, e acho que são erros que devemos evitar. Com seus exemplos, os cristãos dariam a melhor contribuição que podem. O que faltam são modelos em que as pessoas possam se espelhar e imitar.

    Agora, vou tomar um café metafísico… ;o) Abração!! E vamos continuar essa discussão, porque a Filosofia real é um modo de vida, e não apenas livros escritos. ;o) Conversando, nós exercitamos um hábito intermediário entre o pensar e o agir e, quem sabe?, com o tempo, chegamos à virtude prática…

  3. Marcelo Viana

    “Não estaria aí a manutenção da tese emotivista – claramente modernista – da escolha pessoal sobre a qual não pode ingerir o discurso racional? Ao assumirmos isto não estaríamos permanecendo no terreno adversário sem nos movermos um só centímetro para além dele? Não se está assumindo que isso é “proselitismo” e seu decorrente tom pejorativo?”

    Sim, você tem toda a razão, Gabriel.

    Quanto às escolhas dos modelos próximos, quis me referir aos modelos próximos ao crente comum, que não se dedica ao estudo da Filosofia ou da Teologia. Só que o problema em questão claramente está se referindo aos estudiosos. Foi um lapso meu.

    Concordo integralmente com suas colocações. Ajudaram a esclarecer a minha visão do problema. Gostei muito do exemplo da pregação de São Paulo, porque é de uma atualidade impressionante.

    Preciso mesmo é pensar melhor sobre o assunto.

  4. francisco razzo

    Caros
    A importância desse debate para nós, cristãos católicos, é mais de que necessária, é emergencial! E Gabriel, ótima iniciativa de apresentar essas considerações.

    Bom, não entrando exatamente nos méritos do texto, que em si está bem pontuado, porém e o mais importante não encerrado, pelo contrário abre um campo de discussão cujo finalidade é lapidar cada vez mais nossa alma para abraçar a fé genuína, o eixo da questão, ao meu ver, também poderia ser colocado assim:

    Afinal, qual o fundamento último do anúncio cristão (kérygma) ante o “ethos” contemporâneo?

    Lendo essas palavras do Santo Padre, quando ele ainda era Prefeito da Congregação Para Doutrina da Fé, é possível o enriquecimento dessas considerações apresentadas aqui e, sobretudo, o nível da nossa conversa:

    – “Assim, para tentar ainda ser ‘críveis’, os teólogos morais do Ocidente acabam por deparar com uma alternativa: parece-lhes terem de escolher entre a divergência com a sociedade atual ou a divergência com o Magistério.

    – “Conforme o modo de anunciar a questão, é maior ou menor o número daqueles que preferem este último tipo de discordância e que, conseqüentemente, se põe à procura de teorias e sistemas que permitem meios termos entre catolicismo e as concepções correntes. Mas essa diferença entre Magistério e ‘novas teologias’ provoca conseqüências incalculáveis.

    – “A árdua alternativa: ou a Igreja encontra um consenso, um compromisso com os valores aceitos pela sociedade à qual deseja continuar servindo, ou decide permanecer fiel aos seus próprios valores e que, em sua opinião, são os que tutelam o homem nas suas exigências mais profundas, mas vendo-se então deslocada com relação à sociedade mesma” (RATZINGER, 1985)

    Santo Anselmo ora pro nobis.
    Att
    Francisco

  5. francisco razzo

    Não poderia deixar de acrescentar mais essas duras passagens desse mesmo texto do Papa:

    “O núcleo da tentação do homem e de sua queda está encerrado nestas palavras programáticas: ‘Tornar-vos-ei como Deus'(Gn 3,5). Como Deus, isto é, livres da lei do Criador, livres das próprias leis da natureza, senhores absolutos do próprio destino. O homem deseja continuamente apenas isto: ser criador e senhor de si mesmo.”

    São palavras que, aos olhos mais atentos, estremecem toda raíz do projeto Moderno, toda projeção da autonomia humana em relação ao todo do Ser mesmo.

    Todo o cálculo das teses ‘emotivista’, onde não podemos deixar de incluir outros paradigmas tais como o ‘conseqüencialismo’, o ‘proporpocionalismo’, tem raíz comum no ‘utilitarismo’. São cálculos que levam a um posicionamento, até negativo de forma que equaliza o cristianismo de maneira absolutamente equivalente como qualquer outro sistema meramente humano. O problema também pode ser posto no seguinte dilema: é possível o cristianismo “superar” esse humanismo secular cuja única raíz da humanidade do homem é o próprio homem?

    Um abraço
    Francisco

  6. francisco razzo

    Gostaria de reforçar só mais um ponto sobre o dilema que apresentei e de modo geral vincular com o problema que o gabriel, creio eu, apresenta.

    O problema também pode ser posto no seguinte dilema: é possível o cristianismo “superar” esse humanismo secular cuja única raíz da humanidade do homem é o próprio homem, sem se dissolver e se reduzir ao posicionamento relativista da visão secular?

  7. Marcelo Viana

    Antes da resposta do Gabriel, gostaria de acrescentar um breve comentário às palavras do Francisco:

    Acho que é possível, sim, superar esse “humanismo secular” a partir do próprio estudo da filosofia e da teologia. Sinceramente, acho que qualquer esforço sério para avaliar o utilitarismo, o materialismo e o “homem-deus”, “senhor de si mesmo” -, qualquer esforço sincero em questionar esses conceitos provará racional e rapidamente que Deus existe e que a atividade mais alta do homem é contemplar a Deus.

    Eu não conheço muito aprofundadamente as filosofias modernas, mas, do pouco que conheço, elas são muito fracas. Só são respeitadas porque, como no Gênesis, foram sedutoras ao ego do homem. Mas não possuem muita força racional. Sinceramente, fiquei um tanto decepcionado quando comecei a estudá-las, porque eu imaginava algo mais firme, algo mais sólido em sua construção. E, assim como eu, quantas pessoas não teriam a mesma impressão se fossem realmente “esclarecidas”?

    Acredito que a coisa mais imediata a se fazer é estudar a sério o assunto, combatendo os preconceitos negativos contra a fé cristã. Nenhuma das idéias modernas resiste ao Tomismo e à sua compatibilidade com a realidade. É uma questão de usar a razão mesmo, e voltar a enxergar a realidade como real e externa ao homem, não apenas como construção da cabeça de um golfinho (vide artigo do Pondé dessa semana). O mundo criado pelo homem é uma idéia muito burra e facilmente refutável.

    Ontem mesmo, tive uma conversa com um colega ateu, via email, sobre Deus. Foi um saco, é claro. Mas todas as objeções que ele fazia a respeito de Deus eram apenas reflexos de erros conceituais, lógicos e movidos por puro preconceito. Ou seja, era ignorância mesmo, alimentada pela ideologia da moda do evolucionismo e do homem-Deus. Os erros chegam a ser chatos de tão repetitivos que são em suas fontes.

    Finalmente, o quero dizer é que parece necessária uma certa desconstrução, no sentido de mostrar os erros dessas doutrinas, comparadas com a solidez da Filosofia e da Teologia cristãs. Mas reconheço que isso não é suficiente, porque minimiza a importância da fé. Ou não, porque mostrando as limitações do homem, pode-se voltar a atenção para a vida pela Revelação. Entretanto, tenho visto menos uma decadência de fé do que uma decadência da razão. O homem precisa mesmo é reaprender a pensar.

    Agora pode fazer seu comentário, Gabriel… :o))

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