Dá uma espiadinha…

Em sua coluna no caderno ilustrada da Folha de ontem, 3 de fevereiro, Bia Abramo relata a a "pérola" regurgitada por um participante do famigerado show de realidade, que não posso não reproduzir aqui:

Graças a Deus, nunca fui de ler livro.

Além de descobrirmos que o sujeito que, perdoem-me, obrou a sentença acima não é ateu, ficamos conhecendo também que ele é um estúpido. A colunista prossegue a coluna se perguntando, de maneira muito pertinente, o que teme o rapaz a ponto de rechaçar com tal veemência esse negócio estranho de ler livro. Só tenho uma ressalva e um comentário a fazer:

1. A colunista tenta suavizar a relação existente entre o "microcosmo" do programa e o mundão aqui fora, dizendo que o grupo lá confinado não é uma amostragem expressiva do que se passa do lado de cá. Eu não manjo lá muito de estatística e de assemelhados mas, leio por aí que a cada momento decisivo do tal programa, são recebidas milhões de ligações. Veja, não centenas, milhares mas, milhões. Some-se a isso alguns outros fatores importantes:

1.1. O programa já está em sua 8ª edição. Deve ser porque faz sucesso. Se não me engano o programa é anual. Assim, já temos quase uma geração sendo formada assistindo essa tranqueira e ouvindo aforismos de sabedoria como o de cima.

1.2. Lembre-se dos números sobre leituras no Brasil. Estima-se que os leitores assíduos no Brasil sejam por volta de 26 milhões (eu acho que é menos, mas…). Temos cerca de 190 milhões de habitantes… Faça as contas e veja se o grupo que está no programa não é uma boa amostragem.

2. O que nos leva ao segundo ponto. Vejo dezenas de colunistas, "intelectuais" e mesmo pessoas que considero inteligentes e bem formadas que realmente dizem que não há o menor problema em ver (ou deixar seus filhos verem) o programa. Se ter seu filho ou filha vendo um programa no qual sentenças como a comentada acima durante 8 anos não é nocivo, eu não sei mais o que é. Como querer despertar o prazer da leitura e do conhecimento num país cujos habitantes que, por vezes passam fome, gastam dinheiro ligando e mandando mensagens de celular (com preços abusivos) para "participar" do programa?

Só posso terminar de um jeito: graças a Deus, eu nunca vi.

G. Ferreira

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